Não pertenço aqui. Trazes-me no teu carro e fazemos a viagem em silêncio. Por vezes trocamos umas palavras imbecis sobre as nuvens. Ou sobre as pastagens que se deitam ao nosso lado, na viagem, e são extensas. Tenho inveja das vacas, que nunca têm pressa e ficam sempre onde estão.
Torço as mãos debaixo da dobra do casaco, para não as veres. Deixo sair o suspiro que me está entalado no peito quando a atenção te prende à estrada.
Estacionas no piso que tem sempre água nas juntas das placas de cimento do chão, mesmo quando não esteve a chover. Caminhamos em direcção ao edifício, que é gigante. Entramos na porta dos traços desenhados por tubos de néon, um amarelo, um vermelho e um azul, a fazer figuras indecifráveis. O mármore polido do chão brilha num tom frio e nós, indiferentes, dirigimo-nos para o tapete rolante que hoje funciona.
O longo corredor vai desembocar no átrio enorme cheio de viajantes apressados, uns chegaram outros vão partir, como eu. As suas conversas chegam-me aos ouvidos em excertos que tento colar, muito depressa, a ver se um dia tenho uma história bonita para te contar.
Lá em cima, passo no controlo de raios X, tu ficaste para trás. Volto-me para te acenar o adeus que me pesa no braço, em todo o corpo. Sei que estou a sorrir para que tu me vejas sorrir. Tu também me acenas.
Volto-me outra vez, enfim, e recomeço a caminhar.
Sigo assente nas minhas pernas que se mexem como autómatos comandados não por mim. Estou entorpecida. Em exposição, desfila ao meu lado toda a colecção de duty free, os chocolates, os perfumes, os vinhos, os relógios, as malas, os preços exorbitantes, free de quê afinal, que coisa insípida. Todo este glamour que promete ilusões. Só porque me vou embora.
Entro na loja que tem um monte de livros à porta, como se fossem todos muito urgentes, a ver se me consolam. Leio os títulos, um a um, desenho com os olhos os nomes dos autores desconhecidos, faço-lhes promessas de os vir buscar, um dia, hoje não que estou dormente.
Depois fico tonta, farta, irritada, estou triste e ligo para casa. A voz da minha filha arranca-me instantaneamente ao torpor, que música mais linda.
Digo-lhe que o voo não tem atraso e que vá preparando o jantar.
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