Naquela tarde, levei dois dicionários para cima do balcão da livraria. Não me pus a pensar quantos livros haverá numa livraria, por exemplo naquela; um número certo, inteiro, saberá dar a resposta mas ninguém vai saber qual é, digo nunca (lembrei-me disto agora). Levei então um dicionário mais portátil, que ia passar a ser completamente meu e outro bonito e fácil de consultar, que levei para emparelhar (rimou). Entrei em conversações com a senhora que me atendeu atrás do balcão, enquanto a outra ajeitava os papéis de embrulho cortados de tamanhos predispostos a embrulhar livros para homem ou senhora, e eram as conversações sobre o interior do dicionário quase meu, se a questão do acordo ortográfico sim ou não e como, etc, isto assim. A senhora que ajeitava os papéis de embrulho predispostos ficou caladinha a ajeitar a ajeitar. Até que entrou um senhor com idade para ser meu pai, um senhor que a minha filha mais nova teria imediatamente classificado com um mãe, tão fofinho sussurrado ao meu ouvido caso ali estivesse, um senhor que passou por trás de mim, se dirigiu à senhora dos papéis e lhe estendeu o telemóvel enquanto as duas, a dos papéis e a minha, largaram toda a atenção dada às respetivas tarefas, para a depositar no tão-fofinho senhor, ó: boa tarde senhor Carolino, como tem passado? (sorrisos e tudo, as duas) Há muito tempo que não vinha cá, senhor Carolino, etc. O dicionário esquecido na mão da minha senhora, ai o aborrecimento, vamos lá embora que a minha vida não é isto (pensei eu).
- Ehh! Senhor Carolino! Mas isso é telemóvel que se apresente?! Assim todo sujo?! - e com o braço esfregou o tecido da camisola no ecrã do aparelho, isto a senhora dos papéis.
- Deixe lá isso menina, não está nada sujo, eu só queria ligar aí a internet mas não consigo, ligue-me aí aquilo do.... como é que se faz para ligar?... - ele sabe que é fofinho, porque olha para mim com as suas sobrancelhas despenteadas e fartas, branquinhas, e quase me pisca o olho, como que a pedir solidariedade para a situação (e eu com pressa para escolher dicionários acordados ortograficamente).
A minha senhora, que me tinha abandonado e aos livros (para não repetir dicionários, que leva mais tempo a escrever), retomou a viragem aleatória de folhas para cá e para lá no meu futuro livrinho e diz não sei deixe ver (duas vezes). Eu sugeri uma palavra, directo, veja aí se tem o c ou já não. Já não. Pronto, levo esse. E o outro? O outro é lindo, mas fica, desses já tenho.
- Cuidado menina, olhe que essa senhora engana-se muito nas contas - agora a menina sou eu e esta é a voz do senhor Carolino, que se ouve no momento em que o dicionário se torna meu e os dezassete euros da livraria se tornam, todo cheio de confianças comigo, a apontar a minha senhora com o queixo duas vezes seguidas e rápidas, para se fazer todo maroto e engraçado. Ela regista a compra na máquina enquanto abana a cabeça sinalizando que já ouviu estas insinuações mais vezes, e depois diz ai este senhor.
Claro que lhe sorri cortesmente, ao senhor Carolino, e nada mais devido à pressa, mas a minha filha teria razão. Só não precisaria de me sussurrar ao ouvido mãe, tão fofinho, que ele está fartinho fartinho de o saber.
Os dicionários acordados têm destas coisas, imagina se dormiam?? Suprimem consoantes em algumas palavras mas acrescentam-nos estórias como a do senhor Carolino. Vou já comprar dois ou três! ;)))
ResponderEliminarBeijinhos, Susana
Ava, era mesmo isso. Precisava de alguém que me mostrasse as vantagens dos dicionários acordados, que eu não gosto nada de escrever a comer consoantes, são muito indigestas.
Eliminar("imagina se dormiam??" :-) leste-me o pensamento, sabias?)
Beijinhos, Ava
Ahahaha ( sério?
EliminarTambém não gosto Susana e lutei até quase à exaustão, no trabalho a escrever de uma forma e na minha (outra) vida de outra, até que fui vencida pelo cansaço. E rendi-me. Engoli as consoantes e os hífenes do verbo haver que é o que ainda mais confusão me faz e passei a acordar ao invés de resmungar.
E houve acordo quanto ao Acordo ou nem por isso?
ResponderEliminarAh, Carla... eu decidi acordar, engolir o sapo e tentar escrever com o Acordo. Tenho cá uns motivos muito fortes para isso... Mas dele, do AO, só gosto mesmo de escrever os meses do ano com minúscula, ficam muito mais elegantes. :-) O resto... enfim. Talvez seja uma questão de hábito.
Eliminar(o meu avô ainda escrevia "mai" em vez de "mãe" e nós também nos habituámos todos, entretanto, a escrever "mãe"...)
Já fui a favor, fiz e dei formação sobre, entretanto percebi que estava a dar erros atrás de erros e resolvi voltar às origens.
EliminarEmbora o AO90 tenha coisas boas como os meses em minúscula.
Peço-lhe desculpa.
EliminarJá apaguei o meu comentário.
ler-te é como ouvir-te, aqui ao lado, a tomares o pequeno-almoço comigo :)
ResponderEliminarbom dia Susana!
Então fazemos uma espécie de eco, ana, porque quando eu te leio parece que ouço precisamente o que eu queria dizer.
ResponderEliminar:-) bom dia, querida ana.