Pela janela da cozinha vejo o arranjo de mesa corrida
coberta de vasos em vez de ouvir o papagaio, cenário montado junto
ao quiosque das flores que hoje está maior, mais bojudo, largo ou comprido e, se olharmos bem, vemos pessoas a transportar flores em vaso ou em ramo e em todas as direções a partir
daquele centro nevrálgico às cores.
(no supermercado estive muito mal disposta do tipo rabugenta e
nesse estado perguntei na caixa com modos enviesados como é que posso ver-me livre das
mensagens dali provenientes que recebo no telefone sem querer)
A três metros da janela por onde olhei as flores, ponho-me dentro a desfiar a posta de bacalhau frio acabada de sair do frigorífico, por isso é
que está frio o bacalhau e fria a posta, e um bocado dura, se for a posta o
sujeito, e a colar-se-me aos dedos, é de ontem, e agora estou a achar que devia
haver uma palavra assim: dontem, até soa a português antigo, que lindo, mas não
há palavra assim e continuo com o bacalhau, olha estou a receber uma mensagem -
do bacalhau? - sim do bacalhau, esta quero saber qual é, diz lá bacalhau, digo,
estou a estranhar-te, susana, cortaste o cabelo, cortei, e vou ser só teu? vais,
bacalhau, só meu, não quero ser só teu, mas qual é a tua ó bacalhau, se eu te
gosto tanto mesmo frio, mesmo duro, mesmo a colar aos dedos, ou fria, e dura,
mas isso era a posta e já não é, agora é lascas.
(respondeu-me a senhora da caixa que eu podia perguntar a
outra senhora de outra caixa sobre como libertar-me de receber mensagens do
supermercado, é que eu não sei, minha senhora, mas porquê? não gosta de receber
as nossas mensagens?!)
Almocei sozinha a contragosto do bacalhau e já depois da
cozinha arrumada não tomei um café e tomei a janela, eu o que gosto da janela, a
mesa corrida das flores tem uma parte já sem, está branca essa parte, são muitas as pessoas com mãe a receber flores.
(não, não gosto, a senhora da caixa estende-me o talão no
final da operação de pagamento e depois diz querida não sei quê tente lá na
outra caixa a minha colega sabe isso das mensagens, chamou-me querida mas continuei
rabugenta e não fui à colega das mensagens)
A meio da tarde devolvo-me ao assomo da janela, hoje passo o
dia na cozinha se não contarmos a ida ao supermercado, os compradores de flores
já limparam mais de meia mesa corrida, muito mais, está lá quase nada, isto é que
foi uma dinâmica valente e agora imagino mães, muitas mães de braços estendidos
a receber flores com beijos e com abraços, flores só com beijos, flores só com
abraços, mas cheiram-nas, todas as mães vão cheirar e dirão que bem que cheiram
as flores meu amor, os filhos são sempre os nossos amores e eu vou e telefono
às minhas, uma não atende, a outra também não.
A causa da rabugice foi encontrada: era de não escrever; e as minhas filhas, quando chegaram do fim de semana com o pai, disseram, as duas:
- Mãe, estás tão linda.
As duas.