Vou à rua e encontro o rapaz que passeia os cães, sem cães.
Vens sozinho?, venho, estás bom?, cansado. O rapaz que passeia os cães diz-me
sempre que está cansado e eu compreendo o cansaço dele, sei-lhe a história que as
cicatrizes no rosto contam, mal, constato-lhe o esforço para se encaixar num
mundo que, curiosamente, tem sido muito cão para ele.
- Hoje já foram oito – orgulhoso do seu ofício, tem a sorte
de trazer no coração tamanha paixão pelos bichos, muito lhe brilham os olhos.
Porém estão os meus hoje baços e não me disponho a ouvir as oito histórias que hão
de querer sair, por isso cortei - Bom fim de semana, Renato, gostei de te ver, eu também gostei de a
ver. As histórias ficam para outro dia, prometi-lhe sem lho dizer.
Não sei onde ponho esta tristeza. O mundo está esquisito. As
pessoas desaparecem, as boas, e as más tornam-se
maiores. Liguei à minha amiga Marina, já não podia esperar mais.
- Tenho pensado em ti, desde ontem. – isto digo eu.
- Então porquê? Não me digas que é por causa do Leonard
Cohen.
- Sim, é.
- Não imaginas a quantidade de pessoas que me ligam ou
mandam mensagens…
- É como se ele fosse teu, Marina. Eu não me lembro de te
ter conhecido outra música… o Leonard Cohen era teu…
- Ah… sim, era. Como diz o João Miguel Tavares, ficamos nesta ligação íntima com os músicos, eles fazem mesmo parte de nós… é exatamente assim que eu sinto... Leste?
Li. Aliás li uma data de coisas. Para ver se o mundo deixava
de estar esquisito (e não deixou).
- Mas olha, não fiquei triste. – continua a Marina - Quando saiu o álbum
dele, há um mês, eu pensei: ele está a fazer o que o Bowie fez, está a
despedir-se. E então decidi não o comprar. Talvez para adiar o inevitável... Assim que ontem ouvi a notícia, pensei que já podia comprar o álbum… Foi
como se ele me tivesse avisado que se ia embora, tivesse falado para mim, para
me preparar… e então, olha, não fiquei triste… percebes?...
Percebo. Eu também achava que aquela canção, Suzanne, era
para mim. Mas isto não disse eu à Marina.
(e não era, que eu ainda estou triste)
(comecei o post no
rapaz dos cães para fugir ao assunto mas o assunto veio ter comigo, paciência)
Tens razão. O mundo está esquisito.
ResponderEliminarFelizmente há a imaterialidade da música. E portanto imortalidade.
Eliminar(o Fur Elise é muito belo)
Ainda bem que gostas. É a única coisa que estou apta a tocar em público!!! :)))
Eliminar(E infelizmente ninguém parece gostar muito daquilo...)
EliminarGosto, gosto. Quando é bem tocado, aquele subir da mão esquerda ao encontro da direita, depois dos tiriri iniciais, ali nos sustenidos... tu percebes-me. :-)
EliminarÉ lindo.
(ah... e eu gostava de te ouvir!)
A certa altura da sua vida, Cohen foi ordenado monge budista. Mais do que muitos de nós (a maioria, talvez) estava ciente da impermanência da existência, de tudo, afinal. Por isso, toda a tranquilidade que revelou, até ao fim. Um ser humano admirável -- e cuja postura, sempre, parece ter servido de contraponto ao mundo estranho, até ao mais estranho dos estranhos, o actual.
ResponderEliminarUm bom fim-de-semana, cara Susana.
Ainda bem que foi buscar esse lado, caro xilre. Essa tranquilidade que Cohen tinha fazia-se sentir, claramente. Ele transpirava tranquilidade, serenidade, profundidade. Uma certa constância que nos agarra mais ao chão, nos firma no nosso existir, até. Acho que foi isso que a minha amiga viu e que nela resultou como antídoto para a tristeza.
EliminarUm ser humano admirável, de facto.
Tal como há outros :-) Felizmente.
Bom fim de semana, querido xilre.
Um pouco menos esquisito, neste sentido ruim, agora que descobri teu blog.
ResponderEliminarPorque por aqui tudo também anda muito esquisito.
Os blogues, se não servirem para mais nada, servem ara ligar pessoas. Tal como a música, essa linguagem universal que dispensa traduções.
EliminarBem-vindo, Evandro, que boa visita.
Julgo que o Cohen que tive é aquele que tenho. Não fará mais canções, mas deixa-nos vários mimos. Parece que viveu de acordo com o que cantou o que só enobrece. Deixou as cartas do nosso lado, é de continuar. Por mim, ele ter partido é facto normal, tinha a idade certa até no seu próprio entendimento. Portanto, num mundo esquisito ele fazia falta (o mundo sempre foi esquisito).
ResponderEliminar"tinha a idade certa até no seu entendimento."
EliminarNão há muitos de quem se possa falar assim. Sim, ele faz falta e sim, continuá-lo-emos nós. A ver se o mundo "desesquisita" um bocadinho. É capaz.
"...as más tornam-se maiores", agora cá, só superficialmente, ilusoriamente.
ResponderEliminarEspero que essa nuvem escura de tristeza já tenho deixado essa tão boa pessoa que está aí desse lado e que, hoje, já esteja a conseguir ver as esquisitices deste mundo de uma forma mais soalheira. Vai um sorriso? Hum? vai? Olha que estou aqui a esforçar-me :-)
Uma boa semana, querida Susana.
Olha, sabes o que vou fazer? quando for bem velhinha, e já estiver "ready, my Lord", chamo vocês todos à minha casa e faço uma festa muito boa para me despedir. Vai ser mesmo em grande. E tu, Cláudia, não podes faltar, evidentemente.
EliminarDesse lado aí também se vê muita gente boa, ai vê-se vê-se.
Uma boa semana para ti também, my dear Cláudia.