Lá fora o vento
uiva com a potência de uma alcateia e a chuva anda doida a cair em todo o lado, não sabe de que terra é e a velha palmeira está muito agitada, nunca a vi assim.
Dentro, a
televisão passa um filme do zero zero sete mas eu estou no canto oposto à
lareira, junto à janela, por causa dos uivos dos lobos. Do vento, perdão, do
vento. Mas uivos na mesma e eu não os quero perder.
(agora conseguiu
o zero zero sete, com um camiãozinho de nada, impedir um avião dos grandes,
pelo menos é o que me parece, visto daqui, de descolar)
A aldeia está
quase deserta, as casas estão abandonadas há muito, a maioria em ruínas, outras
em projecto de ruína. Só três ou quatro já renasceram das pedras e agora
vestem-se de um charme rústico, vaidosas que dá gosto. Pelas chaminés lançam fumaça que mostram às vizinhas e que cheira tão bem.
Hoje, durante
todo o dia, passaram três carros aqui na rua, a única da aldeia. Um deles
apanhou-me à porta a sacudir a toalha das migalhas do pequeno almoço e parou.
O vidro da janela
começa a descer, em solavancos tímidos, resposta ao manípulo que gira em
círculos e me deixa ver agora o lenço na cabeça da sua ocupante, a testa,
depois a cabeça toda, devagar, dobro a toalha, e agora o seu semblante,
inquiridor. Sentada ao lado do marido, que conduz, os maridos é que conduzem,
lança-me os bons dias, vizinha. E anuncia.
- Passamos
aqui todos os sábados, temos queijinho fresco, feito em casa, em nossa casa, e
queijo também do outro, seco, temos ovos das nossas galinhas e cozemos pão. É
tudo fresquinho.
O marido olha-me
espetando o pescoço, que não é comprido, para secundar o que a sua mulher me
desfia e faz que sim, é isso, queijinho fresco, pois.
(o zero zero sete
está agora a descansar com uma senhora que se deitou em cima dele, e com uma
bebida, acho que a vai entornar, e eu oiço melhor os uivos do vento)
Agradeci com uma
vaga promessa de sim senhora, um destes sábados, é questão de ir passando e nós
estarmos cá, gostamos muito de queijo. E um feliz natal para os senhores, sim?
Mas e o vento,
que continua furioso lá fora? Esta noite, que o abraça com o seu manto negro
(ei! de onde tirei eu isto tão bonito?), quer deitar a velha palmeira ao chão,
quer quer.
E tomar da chuva
a bebida, que já entornou por toda a serra, para depois descansar dos uivos.
Mas eu, que estou a ficar com frio, vou-me chegar à lareira e ver como acaba o filme.
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