a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

27/05/2014

Carne de vaca

- Não fuja! - diz-me o enfermeiro do posto médico lá da empresa.

Estou sentada numa das cadeiras baixas do corredor transformado em sala de espera há não mais de dois minutos e ele veio avisar-me que tenho de esperar mais um.

- É que tivemos aqui uma urgência, é só mais um minutinho, está bem?

Eu não tenho o costume de fugir de enfermeiros, embora da última vez que aqui me chamaram o tenha feito.

Esperei uma hora e meia, dessa vez, sentada numa destas cadeiras. Li para cima de dezoito vezes o folheto de dar sangue é dar vida e duas ou três o do planeamento familiar, o do rastreio do cancro da mama li talvez umas cinco, o das próteses auditivas e o da pasta que fixa próteses mas dentárias apenas uma cada. Quase tudo isto fora do meu leque de interesses ou necessidades para além dos cuidados já em curso, mas que beleza de escrita esta, cuidados já em curso, e falta nomear a excepção que é dar sangue, situação fora das minhas possibilidades, já que desmaio antes de encher meio saco e levo uma legião de estaladas na cara, coisa que prefiro evitar. Mas porque este tema me traz um pouco culpada, li o folheto tantas vezes quantas o tempo de espera me deixou, em busca de formas de tentar salvar assim uma vida, quem sabe sob anestesia ou de cabeça para baixo, normalmente recupero os sentidos assim. Mas não.

Por conseguinte, dessa vez, abandonei o local do exame médico de rotina que a minha entidade patronal quer que eu faça, e eu agradeço, não sou mal agradecida, mas uma hora e meia à espera deixou-me com os nervos em franja, portanto o melhor foi pôr-me na alheta e ele diz que fugi.

Hoje assim não aconteceu, o enfermeiro segurou-me bem e deixei-me examinar. Depois dos testes aplicados por ele, passei para a médica. Ao ler os resultados da miríade de análises que fiz previamente, levantou os olhos e por cima dos seus óculos de leitura, dá-me a receita:

- Tem de comer mais carne de vaca, está bem? Carninha. Por causa do ferro.

- Pode ser chocolate, doutora? Daquele bem preto com menos açúcar, o chocolate tem muito ferro, não é?

- Pode... você não tem colesterol... mas carne de vaca - continuou - não se esqueça da carninha de vaca, hã? É como se fosse um remédio.

Portanto não tenho nem colesterol nem ferro suficiente.

Quanto ao primeiro, ficamos assim, nada a fazer.

Já o segundo torna-se questão mais delicada visto que me vai levar ao talho em vez de à farmácia. Não, não me estou a queixar, no talho passam-se coisas sempre deveras interessantes.

Que me dão matéria para escrever uns posts mais vermelhinhos que este.

Ou menos anémicos, como queiram.

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