a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

04/07/2015

Paralelo cristalizado

Quando escreves crias minutos, crias horas, és numa outra vida. Em partes te redesenhas à vontade. Transportas-te para um paralelo com quem tu quiseres, fazes dias de tempestade, caminhas estradas velhas, colhes uma flor ou ouves um pássaro. Fica-te, então, o paralelo cristalizado em palavras que não se gastarão ao serem lidas pela eternidade fora. Quem te lê experimenta-te o sapato, saboreia-te a escultura, toma-te a dor.

É no momento em que me desembaraço das sandálias que me ocorre escrever-te estas ideias, estou a meio da viagem. À minha esquerda, lá em baixo, brilha o oceano que nos banha. O sol morde-me o ombro desde Lisboa, tem dentes de labaredas que atravessam a janela do avião, mas são macios. À minha direita, a mulher jovem de cabelo ruivo come a laranja que descascou com as unhas, bonitas unhas. Gosto do cheiro do citrino e das dentadas do sol no meu ombro, nada aqui me desagrada, o que torna estas linhas aptas a fazer-nos bocejar. Aproveito para recostar a cabeça.

Antes de adormecer penso que as tuas são palavras que hei-de sempre ler. E dou-me a isto sorrindo, o ar perfumado de laranja, o sol a divertir-se comigo e as sandálias fora dos pés.

6 comentários:

  1. E a imagem de quem lerá as tuas palavras no sorriso.

    Beijos, Susana,e que no final da viagem abraces quem amas. :)

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    1. Obrigada, Maria. É um privilégio ter-te a ler estas minhas toscas palavras.

      Beijos de volta. :-)

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  2. Olá, Susana.
    Viagem boa, com o sol, como companheiro de viagem ;)
    As palavras lidas nunca se gastaram e nunca hão de gastar-se.
    Bj amg

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    1. As palavras escritas até podem adormecer por séculos mas não morrem. Ficam para alguém que venha a passar, num dia em que sol seja companheiro de viagem, e as queira ler.
      Beijo de volta.

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  3. Gosto deste texto falante. Sim, e as palavras têm esse poder redentor de nos acrescentar vida.
    Muito doce e tranquilo.
    Só preferia não apanhar ao meu lado a rapariga a comer uma laranja. Acho pouco apropriado fazê-lo no avião, já que é uma fruta que pode pingar ou salpicar.
    Beijos, Susana.

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    1. Obrigada, Isabel. Poder redentor de nos acrescentar vida. É isso, pois é.

      (a rapariga da laranja fez aquilo tudo com unhas especiais e sem pingar nada, que eu escrutinei a situação)

      Beijos, Isabel.

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